terça-feira, 1 de novembro de 2022

Um olho que olha para o que não é tão olhado



Temos, na nossa relação com o outro, um potencial imenso de potenciar o potencial que cada um outro de nós tem. Mas, cada qual, escolhe para quem olha com uma certa predileção: há quem olhe para aquilo que a generalidade olha (o dito ‘comercial’) e há quem olhe para o que é a periferia disso, para o que é diferente ou não tão apreciado (se é que, na atualidade das coisas, ter a atenção geral da sociedade é forma de apreciação ou de elogio e não o contrário – quando ‘todos’ gostam da mesma coisa ou pensam a mesma coisa, algo está errado, não?).

No trajeto que nos leva à conclusão do Ser, somos, então, influenciados por algo que nos leva a optar por essa escolha, essa seleção – eu, como tu, escolho a quem ajudar, a quem oferecer a minha amizade, conselhos, escolho por quem me associar, apaixonar e por aí fora (…). Sei hoje, como sabia ontem, que me marcaram as palavras do meu pai, que sempre aproveitava a oportunidade de marcar a voz quando via alguma situação em que um grupo se alimentava nas fraquezas do mais pobre (pobre no sentido do físico, do psicológico, da educação – porque essa é a real pobreza) e do menos abonado. Será, por isso, que o meu olho tem paixão pelas cicatrizes, pelas imperfeições e pelas pessoas incompletas, vasos quebrados, praias desertas e almas desacreditadas. Seguindo, depois do olho, vai o resto e por lá fico, até largar quando prevejo o novo caminho, já encarrilado com influência positiva e diferenciadora – satisfaço-me pelo presunçoso entendimento de que deixei a minha impressão digital e não procuro rastreio (no silêncio saberei que tudo continua melhor do que estava e ao contato, tudo se mantém, como no último dia de interação, porque tudo o que faço e tudo o que me decido a fazer, melhor dito, é para ser eterno).

Entrego-me, em conclusão, a uma jornada às costas de Xavier de Maistre (em ‘Expedição noturna à volta do meu quarto’): «As estrelas mais brilhantes nunca foram as que eu contemplo com mais prazer; as mais pequenas, as que, perdidas num afastamento incomensurável, não aparecem senão como pontos impercetíveis, foram sempre as minhas estrelas favoritas.»

Roberto Rivelino - Um olho que olha para o que não é tão olhado – 2022/11/01

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