Não
saber a origem, a proveniência ou a natureza das pessoas é uma das
coisas que me leva a não procurar ter ídolos fora de casa (entre tantas
outras, mas essa é a maior motivação). É um risco muito grande. Aliás,
até a palavra ‘ídolo’ é perversa, castra liberdade, quase implica uma
submissão nossa para com essa pessoa – uma palavra tão perversa quanto
‘fã’, que parece diminuir a pessoa que nutre admiração a mais por outra
(algo tão belo!).
Os ídolos fora de casa acabaram. Torna-se, portanto
e cada vez mais, difícil defender quem não é de nossa casa. Raramente
sabemos a natureza do outro, de onde provém e onde quer chegar. Olhamos
para o lado e vemos X a defender Y que aquela parede é vermelha, mas não
sabemos se a defesa da cor daquela parede o vai beneficiar ou não, e
outros caminhos que tais, a entrar pela política, ideologias, questões
sociais…
Este tema porquê? Eu digo. Recentemente uma pessoa que
admiro (o passo anterior à idolatria) mostrou-me como um ídolo dela
estava a ser atacado por palavras que teceu. Eu, sem ver e ouvir, mas a
uma distância na qual já me tinha colocado por conhecer (questionar e
criticar, até, a coerência e a razão dos tópicos e motivos das críticas
que tece - independente da inteligência que apresenta, este não se dista
das indicações testosteronicas), de pronto instei se a tal polémica não
seria o que essa pessoa pretendia (fama à qual parece buscar no tom
implícito nos seus temas e palavras), seguindo uma tentativa de alerta à
pessoa de que esta poderia estar a defender um charlatão com ideias
radicais, nocivas à sociedade e das quais a sociedade se deveria afastar
(felizmente essa pessoa não tem poder para decidir sob a vida dos
outros – pelo menos, ainda). Perante esta dúvida imposta por mim, essa
pessoa levou a peito e retirei-me porque a idolatria mexe com o coração,
com o amor, explícito ou não, e afeta o bem-estar pessoal – já por isso
é idolatria e não admiração e, para mais, tratando-se de um caso de
contato e interação recorrente (algo que ainda exacerba tudo isto).
Depois,
no silêncio, fui ver e ouvir de que assunto e palavras se tratava,
porque, na génese, quero também saber se estou certo quanto à admiração
que nutro pela pessoa que defende a tal pessoa (falo, pois, de duas
pessoas de fora de minha casa). Com o tom dos políticos que querem ter
graça (mundos inversos: os comediantes de hoje querem ser levados a
sério e os políticos e politólogos querem ser engraçados), esse
interveniente justificou um genocídio (recorrendo a outros) como um
processo natural e benéfico à sociedade e ainda foi buscar forças ao seu
argumento a deus (vá, grosso modo: «este povo, que não era civilização,
e povo Z, que era civilização; um tinha que perecer, logicamente que um
tinha que perecer; e qual deles? O primitivo e bendito ao senhor que
assim ocorreu (2x)»). As palavras, numa pessoa ponderada e sensível,
ausente da necessidade de se superiorizar, seriam mais leves e seriam
ditas com outro tom, resultado: hoje não existia polémica – mas talvez
esse nome seria menos conhecido (maior anonimato que não será sua
pretensão).
Não existe quem seja incólume. Todos temos defeitos e
à medida que esta nova sociedade, cada vez mais virtual, avança, mais
as referências (ídolos) são voláteis como conotadas(os) com chavões do
populismo, para ficarem populares. A tendência mais recente é,
inclusive, o radicalismo e vai-se a extremos para se ser notícia e
aparecer, às vezes mesmo vestindo caras desconhecidas às origens, ao que
acresce a facilidade de audiência – seja em espaços públicos (incluo,
claro, redes sociais) ou privados. Prevalece, no tópico que toco (que
não é o exemplo e é, ao mesmo tempo, o exemplo), contudo, a beleza do
amor de quem tem capacidade para a defesa dos seus ídolos, mesmo com os
exemplares de que estes não têm a beleza que faz falta à sociedade. E
aí, se conseguirmos, admira-se quem consegue procurar ídolos fora de
casa, pessoas que talvez os enaltecem mais que os seus (de casa) e,
nessa incongruência, há um encanto.
Podemos ficar feridos pela
nossa expectativa ou preconceção sobre de quem estamos a falar, mas
quando virmos uma pessoa a defender alguém que é errado ou tóxico (de
fora de casa), mostremos o caminho – pode ser a retirada da conversa, a
mudança de assunto, mostrar novos e diferentes ‘ídolos’, visões mais
sensíveis do mundo (…). Onde há amor e inteligência haverá uma visão
clara – se não for agora, será no futuro (a maçã podre cai sozinha e
ninguém a tira do chão – ninguém lhe toca e fica no solo para que todos a
vejam lá – e devemos admirar quem tem essas duas características e
consegue apreciar as decadências dos outros e por eles lutar).
Roberto Rivelino – A paradoxal apreciação a quem defende ídolos de fora de sua casa - 2022/11/02
Sem comentários:
Enviar um comentário