domingo, 6 de novembro de 2022

O estudo do meio


Como podes ter visto e lido por aqui, ao longo da semana nada me atraiu mais a discutir e pensar do que o caminho até à imparcialidade. Será um tema sem fim, por depender de tantos fatores e, por cada página escrita, chego a fatores diferentes. Aqui escrevo sobre um deles (que nunca será fator isolado dos restantes): penso que o comportamento humano está estimulado a olhar às palavras e ações do outro mediante a nossa consideração e conceção sentimental sobre este (sobre o tal outro), seja para valorizar, assimilar ou perdoar as tais palavras ou ações. Duas passagens de texto de pessoas alheias a este texto conectam-se ao tema:
- Miguel Esteves Cardoso escreveu assim, no Público de três de abril de 2020: «É claro que vivemos muito virados para aqueles que fazem barulho. Achamos que estes fazem bem em fazer barulho, porque a causa é justa. E achamos que outros fazem mal em fazer barulho porque a causa deles é ridícula ou fraudulenta ou trivial. Mas é sempre o barulho que captura as nossas atenções. Tanto mais que não ligamos nenhuma ao barulho mais importante de todos: o de cada um dos nossos corações a bater.»
O barulho advém e é a conclusão da necessidade de se falar, debater ou até aparecer. Melhor, normalmente quem quer aparecer é quem provoca barulho (e o barulho pode ser pela voz, pela imagem/visual ou pelos gestos e expressões faciais/corporais). Quem quer falar e debater, fá-lo desde uma posição pouco radical, bem terra-a-terra, desde a sensibilidade e naturalidade (uma paz e equilíbrio saudável e contagioso). Aí, entramos naquilo que mais se adequa às nossas atenções. Pode-se exemplificar que há quem só consiga falar com quem argumenta em regista piano ou quem aprecie quem faz o dito barulho, e daí vem a nossa consideração sobre esses sujeitos (um pouco do que Miguel Esteves Cardoso escreve).
 
Então, com o barulho vem o som dos disparos e quem dispara, normalmente não o faz para um só alvo, perdendo-se. Perde-se do seu foco, da sua razão e da sensibilidade que hoje tanto faz falta aos humanos. Desde uma perspetiva externa ao sujeito, posicionamo-nos com proximidade ou distância – o barulho que faz tem sentido e nexo? O barulho que faz é exagerado e desconetado do tema essencial? (…)… e avançamos a um julgamento, muitas vezes condicionado pelo que nos liga ao sujeito: família, amizade, admiração, idolatria, atração, dependência ou necessidade (…).
 
Nesse julgamento, chego à passagem que falta, que atesta um fenómeno que nos pode deixar desconectados da razão nobre do nosso Ser:
- Inês Meneses, com a incisiva leveza que aplica à razão dos sentimentos, em ‘Caderno de Encargos Sentimentais’ deixou: «As pessoas deste tempo só toleram as suas pessoas. As pessoas perdoam tudo ao seu pequeno círculo, mas são implacáveis com as outras.»
Concluo aqui que o melhor estudo que podemos fazer ao sentimento que aplicamos às situações provocadas pelo outro é o estudo do meio: ser independente da dependência (racional ou irracional) que essa pessoa provoca em nós. Afirmar que o sujeito está certo ou errado, desde o barulho mais importante de todos (o dos nossos corações a bater), é o mais importante: e a nossa independência (racional ou irracional) é mais importante que qualquer barulho (que vem do nosso corpo ou do corpo dos outros) – porque um coração dependente não bate ao seu próprio ritmo.
 
Roberto Rivelino - O estudo do meio - 2022/11/06

Sem comentários:

Enviar um comentário