quinta-feira, 3 de novembro de 2022

A castração da imparcialidade

 

Nunca estivemos tão munidos de informação como hoje. Hoje mesmo, este segundo em que se lê estas palavras. Hoje mesmo nós, eu ou tu ou outro, podemos ser especialistas em arqueologia (permite-me o exagero para que me faça chegar ao meu ponto – se não me permitires, relaxa que os parágrafos seguintes são para ti). Está tudo à distância de uma conexão WiFi e abrimo-nos a muitos mundos, algo ao que os nossos antepassados tinham muita dificuldade: para a aquisição de conhecimento teriam que fazer viagens para comprar livros; trabalhar umas quantas horas para ter dinheiro para a viagem e para o livro; (…);
Podemos utilizar este fenómeno para benefício próprio sem limites. Hoje a educação é quase gratuita – assume-se a facilidade com que alguém hoje tem um telemóvel ou computador, além da rede -, e cómoda – não é necessário sair de casa -, para se saber das coisas. O que é mais dispendioso hoje, na realidade, é a fome de conhecimento. Acima disso, no patamar do luxo, ainda mais oneroso que a busca pelo saber ou pela informação, é conseguir-se instruir sem formar uma opinião sobre aquilo que se está a adquirir direto ao cérebro.

Perdoem-me a generalização, mas vejo hoje uma necessidade de se se ser ou Lula ou Bolsonaro, ou Joe Biden ou Donald Trump, ou católico ou ateu, ou feminista ou machista (…). Não vejo, por tantas ocasiões quanto seria instrumental para a sociedade evoluir, que a escolha entre Lula ou Bolsonaro ou Biden ou Trump são quatro opções que retratam precisamente este caminho que encetei desde a primeira palavra deste escrito: temos em mão a maior panóplia de informação que já existiu e reduzimos, enquanto sociedade (além do Eu e do Tu), os resultados finais a dois polos – um polo a favor e o outro polo contra (eu sou a favor de Biden, tu és contra Biden; eu sou a favor de Trump, tu és contra Trump).

O caminho do meio vai-se embora nos dias de hoje, para a direita ou para a esquerda (faça-se inferência à política ou ao figurativo, bate certo de qualquer uma das formas). Não se lê para que se seja informado, mas sim para se ter uma opinião, para caçar uma posição e defendê-la, criando (numa fase mais avançada) um círculo ou rede de interações que seja do agrado dessa visão partilhada – a partir daí, ainda mais complexo, cria-se a bola de neve que faz com que estas pessoas estejam a viver à volta do mesmo tema, surgindo os grupos e movimentos que apoiam ou vão contra isto ou aquilo (e, tranquilo, é algo que ocorre desde a natureza do Humano – vamos aos tempos dos filósofos helénicos e a base de pensamento de uns e outros era a favor ou contra uns e outros).

Sei que ao falar de exemplos (desde as figuras políticas aos temas ideológicos) incorro que se fale dos exemplos e não do essencial (se o fizeres estarás a chegar à a um dos subliminares destas linhas), mas avançando isso, vejo uma sociedade sagaz por exercer os seus direitos e não sagaz por saber os seus direitos. Como assim? Hoje vejo o outro determinado a opinar e não determinado a se informar – depois, com a informação em mãos, que faça o que bem entender (mas que se saiba posicionar – o contrário de vermelho não é o azul, nem o verde ou o amarelo; o vermelho é o vermelho e é vermelho porque se juntou a magenta e o amarelo, sabias? Abri o Google e informei-me disso).

Roberto Rivelino – A castração da imparcialidade - 2022/11/03

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