segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Criadores de cultura onde a cultura não existe


 

Podes caminhar caminhos infinitos, parar em paragens infinitas, que o lugar onde foste criado, desenvolvido e revelado estará para sempre no teu ADN. Somos produto daquilo que nos rodeia, então para onde quer que caminhemos, as pegadas terão pitada dos resultados das nossas interações com o local. Não sei o que Alpendorada, Várzea e Torrão tem seria a expressão para vos fazer entender que sei o que Alpendorada, Várzea e Torrão tem: gente de talento. Demoramos cinco segundos para pensar em três (ou mais) pessoas do nosso círculo de amigos que começa no rés do chão a trabalhar e sobe andares, para liderar, em qualquer área: construção civil, ensino, desporto, artes, tecnologia… e damos exemplos de pessoas que caminham e param pelo Porto, Coimbra, Lisboa, Algarve, Suíça, Suécia, Luxemburgo, Canadá, Brasil…

Portanto, acho a pegada desta freguesia muito forte para não deixar em texto aquilo que tenho discutido ao cheiro de um café: Alpendorada, Várzea e Torrão é recheada de talento e ausenta-se-lhe quem o faça brotar, quem o lapide e lhe dê a plataforma para que, nesta terra, se faça cada vez menos aquilo que se tem que fazer e se faça cada vez mais aquilo que se quer fazer. Quem escreve é um jovem adulto que passou e passa por todas estas fases, fez parte de grupos que tentaram dinamizar a cultura local e que, perto ou distante, vê aproximar e afastar nuvens de pensamento e preocupação por um local que lhe é querido.

Sem complicações e com um exemplo prático: desde que foi criado que não me ausento de uma edição dos ‘Concertos que Nunca Existiram’. São criados por amigos que apoiaram e protegeram a minha forma de arte e, mais importante que isso, amigos que quiseram colocar e executar a sua forma de arte onde foram criados, desenvolvidos e revelados: Alpendorada, Várzea e Torrão. O que fizeram? Pediram ajuda a eles próprios antes de procurarem por apoios, foram à força física e mental, ganharam calos nas mãos e transpuseram do papel para a prática a ideia de criar uma Associação sem fins lucrativos, o Rústico Cultura, e atiraram-se para a criação do dito evento. Não me espantou, portanto, ver que o sucesso do evento chegou à Galiza ou à Catalunha – caros, não estou a falar de um local dentro fronteiras, ou para exagerar, imagine-se a si, pegar no carro e ir ver um evento a Barcelona. Problema maior, num ser que é emocional como é o humano, é não espantar reparar que o evento foi feito com a ausência de apoios institucionais de serviço público (aos privados, locais ou não, que o fizeram, o meu aplauso), no único evento desta categoria de Cultura feito, até arrisco, no município.

A ideia do uso expressão «não espantar» é precisamente uma afirmação de orgulho para com aqueles que conseguem fazer isto: pegar na ousadia e coragem, ampliá-la a um nível maior que qualquer ego, e fazer coisas, coisas de futuro, coisas de cultura num lugar onde a cultura, institucionalmente, não existe. A quem tem força para colocar o talento ao dispor da terra e exaltar o nome dela além Douro e Tâmega, o meu aplauso. Este é um texto escrito por alguém que nunca existiu (como tu).

- Roberto Rivelino