segunda-feira, 7 de novembro de 2022
O perigo da distância para e para com a história
domingo, 6 de novembro de 2022
O estudo do meio
quinta-feira, 3 de novembro de 2022
A castração da imparcialidade
Nunca
 estivemos tão munidos de informação como hoje. Hoje mesmo, este segundo
 em que se lê estas palavras. Hoje mesmo nós, eu ou tu ou outro, podemos
 ser especialistas em arqueologia (permite-me o exagero para que me faça
 chegar ao meu ponto – se não me permitires, relaxa que os parágrafos 
seguintes são para ti). Está tudo à distância de uma conexão WiFi e 
abrimo-nos a muitos mundos, algo ao que os nossos antepassados tinham 
muita dificuldade: para a aquisição de conhecimento teriam que fazer 
viagens para comprar livros; trabalhar umas quantas horas para ter 
dinheiro para a viagem e para o livro; (…);
Podemos utilizar este 
fenómeno para benefício próprio sem limites. Hoje a educação é quase 
gratuita – assume-se a facilidade com que alguém hoje tem um telemóvel 
ou computador, além da rede -, e cómoda – não é necessário sair de casa 
-, para se saber das coisas. O que é mais dispendioso hoje, na 
realidade, é a fome de conhecimento. Acima disso, no patamar do luxo, 
ainda mais oneroso que a busca pelo saber ou pela informação, é 
conseguir-se instruir sem formar uma opinião sobre aquilo que se está a 
adquirir direto ao cérebro.
Perdoem-me a generalização, mas vejo 
hoje uma necessidade de se se ser ou Lula ou Bolsonaro, ou Joe Biden ou 
Donald Trump, ou católico ou ateu, ou feminista ou machista (…). Não 
vejo, por tantas ocasiões quanto seria instrumental para a sociedade 
evoluir, que a escolha entre Lula ou Bolsonaro ou Biden ou Trump são 
quatro opções que retratam precisamente este caminho que encetei desde a
 primeira palavra deste escrito: temos em mão a maior panóplia de 
informação que já existiu e reduzimos, enquanto sociedade (além do Eu e 
do Tu), os resultados finais a dois polos – um polo a favor e o outro 
polo contra (eu sou a favor de Biden, tu és contra Biden; eu sou a favor
 de Trump, tu és contra Trump).
O caminho do meio vai-se embora 
nos dias de hoje, para a direita ou para a esquerda (faça-se inferência à
 política ou ao figurativo, bate certo de qualquer uma das formas). Não 
se lê para que se seja informado, mas sim para se ter uma opinião, para 
caçar uma posição e defendê-la, criando (numa fase mais avançada) um 
círculo ou rede de interações que seja do agrado dessa visão partilhada –
 a partir daí, ainda mais complexo, cria-se a bola de neve que faz com 
que estas pessoas estejam a viver à volta do mesmo tema, surgindo os 
grupos e movimentos que apoiam ou vão contra isto ou aquilo (e, 
tranquilo, é algo que ocorre desde a natureza do Humano – vamos aos 
tempos dos filósofos helénicos e a base de pensamento de uns e outros 
era a favor ou contra uns e outros).
Sei que ao falar de exemplos
 (desde as figuras políticas aos temas ideológicos) incorro que se fale 
dos exemplos e não do essencial (se o fizeres estarás a chegar à a um 
dos subliminares destas linhas), mas avançando isso, vejo uma sociedade 
sagaz por exercer os seus direitos e não sagaz por saber os seus 
direitos. Como assim? Hoje vejo o outro determinado a opinar e não 
determinado a se informar – depois, com a informação em mãos, que faça o
 que bem entender (mas que se saiba posicionar – o contrário de vermelho
 não é o azul, nem o verde ou o amarelo; o vermelho é o vermelho e é 
vermelho porque se juntou a magenta e o amarelo, sabias? Abri o Google e
 informei-me disso).
Roberto Rivelino – A castração da imparcialidade - 2022/11/03
quarta-feira, 2 de novembro de 2022
A paradoxal apreciação a quem defende ídolos de fora de sua casa
Não
 saber a origem, a proveniência ou a natureza das pessoas é uma das 
coisas que me leva a não procurar ter ídolos fora de casa (entre tantas 
outras, mas essa é a maior motivação). É um risco muito grande. Aliás, 
até a palavra ‘ídolo’ é perversa, castra liberdade, quase implica uma 
submissão nossa para com essa pessoa – uma palavra tão perversa quanto 
‘fã’, que parece diminuir a pessoa que nutre admiração a mais por outra 
(algo tão belo!).
Os ídolos fora de casa acabaram. Torna-se, portanto
 e cada vez mais, difícil defender quem não é de nossa casa. Raramente 
sabemos a natureza do outro, de onde provém e onde quer chegar. Olhamos 
para o lado e vemos X a defender Y que aquela parede é vermelha, mas não
 sabemos se a defesa da cor daquela parede o vai beneficiar ou não, e 
outros caminhos que tais, a entrar pela política, ideologias, questões 
sociais…
Este tema porquê? Eu digo. Recentemente uma pessoa que 
admiro (o passo anterior à idolatria) mostrou-me como um ídolo dela 
estava a ser atacado por palavras que teceu. Eu, sem ver e ouvir, mas a 
uma distância na qual já me tinha colocado por conhecer (questionar e 
criticar, até, a coerência e a razão dos tópicos e motivos das críticas 
que tece - independente da inteligência que apresenta, este não se dista
 das indicações testosteronicas), de pronto instei se a tal polémica não
 seria o que essa pessoa pretendia (fama à qual parece buscar no tom 
implícito nos seus temas e palavras), seguindo uma tentativa de alerta à
 pessoa de que esta poderia estar a defender um charlatão com ideias 
radicais, nocivas à sociedade e das quais a sociedade se deveria afastar
 (felizmente essa pessoa não tem poder para decidir sob a vida dos 
outros – pelo menos, ainda). Perante esta dúvida imposta por mim, essa 
pessoa levou a peito e retirei-me porque a idolatria mexe com o coração,
 com o amor, explícito ou não, e afeta o bem-estar pessoal – já por isso
 é idolatria e não admiração e, para mais, tratando-se de um caso de 
contato e interação recorrente (algo que ainda exacerba tudo isto).
Depois,
 no silêncio, fui ver e ouvir de que assunto e palavras se tratava, 
porque, na génese, quero também saber se estou certo quanto à admiração 
que nutro pela pessoa que defende a tal pessoa (falo, pois, de duas 
pessoas de fora de minha casa). Com o tom dos políticos que querem ter 
graça (mundos inversos: os comediantes de hoje querem ser levados a 
sério e os políticos e politólogos querem ser engraçados), esse 
interveniente justificou um genocídio (recorrendo a outros) como um 
processo natural e benéfico à sociedade e ainda foi buscar forças ao seu
 argumento a deus (vá, grosso modo: «este povo, que não era civilização,
 e povo Z, que era civilização; um tinha que perecer, logicamente que um
 tinha que perecer; e qual deles? O primitivo e bendito ao senhor que 
assim ocorreu (2x)»). As palavras, numa pessoa ponderada e sensível, 
ausente da necessidade de se superiorizar, seriam mais leves e seriam 
ditas com outro tom, resultado: hoje não existia polémica – mas talvez 
esse nome seria menos conhecido (maior anonimato que não será sua 
pretensão).
Não existe quem seja incólume. Todos temos defeitos e
 à medida que esta nova sociedade, cada vez mais virtual, avança, mais 
as referências (ídolos) são voláteis como conotadas(os) com chavões do 
populismo, para ficarem populares. A tendência mais recente é, 
inclusive, o radicalismo e vai-se a extremos para se ser notícia e 
aparecer, às vezes mesmo vestindo caras desconhecidas às origens, ao que
 acresce a facilidade de audiência – seja em espaços públicos (incluo, 
claro, redes sociais) ou privados. Prevalece, no tópico que toco (que 
não é o exemplo e é, ao mesmo tempo, o exemplo), contudo, a beleza do 
amor de quem tem capacidade para a defesa dos seus ídolos, mesmo com os 
exemplares de que estes não têm a beleza que faz falta à sociedade. E 
aí, se conseguirmos, admira-se quem consegue procurar ídolos fora de 
casa, pessoas que talvez os enaltecem mais que os seus (de casa) e, 
nessa incongruência, há um encanto.
Podemos ficar feridos pela 
nossa expectativa ou preconceção sobre de quem estamos a falar, mas 
quando virmos uma pessoa a defender alguém que é errado ou tóxico (de 
fora de casa), mostremos o caminho – pode ser a retirada da conversa, a 
mudança de assunto, mostrar novos e diferentes ‘ídolos’, visões mais 
sensíveis do mundo (…). Onde há amor e inteligência haverá uma visão 
clara – se não for agora, será no futuro (a maçã podre cai sozinha e 
ninguém a tira do chão – ninguém lhe toca e fica no solo para que todos a
 vejam lá – e devemos admirar quem tem essas duas características e 
consegue apreciar as decadências dos outros e por eles lutar).
Roberto Rivelino – A paradoxal apreciação a quem defende ídolos de fora de sua casa - 2022/11/02
terça-feira, 1 de novembro de 2022
Um olho que olha para o que não é tão olhado
Temos, na nossa relação com o outro, um potencial imenso de potenciar o potencial que cada um outro de nós tem. Mas, cada qual, escolhe para quem olha com uma certa predileção: há quem olhe para aquilo que a generalidade olha (o dito ‘comercial’) e há quem olhe para o que é a periferia disso, para o que é diferente ou não tão apreciado (se é que, na atualidade das coisas, ter a atenção geral da sociedade é forma de apreciação ou de elogio e não o contrário – quando ‘todos’ gostam da mesma coisa ou pensam a mesma coisa, algo está errado, não?).
No trajeto que nos leva à conclusão do Ser, somos, então, influenciados por algo que nos leva a optar por essa escolha, essa seleção – eu, como tu, escolho a quem ajudar, a quem oferecer a minha amizade, conselhos, escolho por quem me associar, apaixonar e por aí fora (…). Sei hoje, como sabia ontem, que me marcaram as palavras do meu pai, que sempre aproveitava a oportunidade de marcar a voz quando via alguma situação em que um grupo se alimentava nas fraquezas do mais pobre (pobre no sentido do físico, do psicológico, da educação – porque essa é a real pobreza) e do menos abonado. Será, por isso, que o meu olho tem paixão pelas cicatrizes, pelas imperfeições e pelas pessoas incompletas, vasos quebrados, praias desertas e almas desacreditadas. Seguindo, depois do olho, vai o resto e por lá fico, até largar quando prevejo o novo caminho, já encarrilado com influência positiva e diferenciadora – satisfaço-me pelo presunçoso entendimento de que deixei a minha impressão digital e não procuro rastreio (no silêncio saberei que tudo continua melhor do que estava e ao contato, tudo se mantém, como no último dia de interação, porque tudo o que faço e tudo o que me decido a fazer, melhor dito, é para ser eterno).
Entrego-me, em conclusão, a uma jornada às costas de Xavier de Maistre (em ‘Expedição noturna à volta do meu quarto’): «As estrelas mais brilhantes nunca foram as que eu contemplo com mais prazer; as mais pequenas, as que, perdidas num afastamento incomensurável, não aparecem senão como pontos impercetíveis, foram sempre as minhas estrelas favoritas.»
Roberto Rivelino - Um olho que olha para o que não é tão olhado – 2022/11/01




