Saber
o quê, onde, quando e porque pisamos alguns pisos é uma noção de
consciência de nós para nós próprios. Mas há outras ocasiões em que o
melhor é deixar-nos ao acaso, só sabendo porque lá vamos: pela
expectativa de conhecer algo novo ou diferente, não nos debruçando
demasiado sobre o assunto precisamente para saber sobre ele a partir do
zero. Saber mais sobre algo que minutos antes, para nós, era nada dá-nos
caso a belas descobertas.
Aconteceu-me recentemente, levado ao
Museu Amadeo de Souza-Cardoso (Amarante). Não pelas obras de arte
expostas (Paolo Pellegrin, excelente!), sim pelo encontro 'medúseo' e
fortuito com um livro-compilação dos aforismos de Teixeira de Pascoaes, autoria de António Cândido Franco. Soado o nome, não é ignorância
afirmar o desconhecimento - ignorância, porventura, seria ter pousado o
livro e deixado à ignorância. Da estirpe de pensamento sabe-se logo,
abrindo em qualquer uma das mais de duzentas páginas, o nível de
intelecto – em concordância ou não com as nossas ideias ou
características (algo que não deve fazer caso se queremos ser mais
amanhã do que somos hoje).
O acaso pode ser mero acaso ou acaso
auto infligido, o que não o deixar de ser considerado como acaso, por
nos sujeitarmos à exposição, à saída daquilo que damos como adquirido do
nosso conhecimento ou do nosso conhecido. Tirar as meias sem sabermos o
que vamos calcar, sabendo que calos não havemos de ter, abre novos
caminhos a serem calcados para chegar a pegadas recicladas.
De ‘Quem sonha é um lar aceso’, deixo várias passagens que marcam e deixam que pensar:
- «81. A dor é o génio do verbo, a alma da comédia, o combustível da alegria.»
-
«46. A frase falada ou gravada na mesma lauda em que fulguram os
relâmpagos, é quase sempre mais luminosa que a escrita numa substância
que serve para embrulhos…»
- «2. Poesia é a Teologia dos heréticos.»
- «60. O remorso é o penedo a desentranhar-se em ondas de ternura: a fonte.»
-
«24. O infinito envolve o espaço, e o tiquetaque do nosso relógio soa
no coração da eternidade. Aonde não chega a razão, chega a inspiração.»
-
«27. Falar de poesia moderna, ou de poesia antiga, é um absurdo. A
poesia é uma essência, não é uma forma. E só as formas mudam. A energia
elétrica é invariável; mas o que não tem variado, para melhor, a sua
forma luminosa!»
- «30. A graça da inspiração é o ser espiritual
mais belo e feminino que habita na caveira humana, o autêntico trono do
Senhor. Todavia, a Musa escolhe a caveira dum Virgílio, e não a dum
César Augusto.»
- «2. (…) Às vezes, basta um hálito de flor para que uma estrela se acenda na escuridão.»
- «18. As chamas dum incêndio verdadeiro são menos violentas que as chamas dum inferno que não existe.»
- «19. Não é o homem que endoidece. É a loucura que se humaniza. Assim o Verbo se fez Carne.»
- «27. A Criação vem da dor e o seu vestuário é de riso.»
-
«41. (…) Justiça sem liberdade goza-a qualquer boi que tenha um bom
pensador; liberdade sem justiça gozam-na todos os famintos. Aludo, é
evidente, à liberdade espiritual e à justiça económica, sem as quais não
haverá paz no mundo.»
- «68. A unidade é um atributo do Nada, uma qualidade do zero.»
Roberto Rivelino - 2022/06/30 – Helsínquia
quinta-feira, 30 de junho de 2022
Exposição ao acaso - Teixeira de Pascoaes 'Quem sonha é um lar aceso'
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